Quem sou eu?

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Recife, Pernambuco
Poderia dizer que vivo de sonhos, mas creio que são eles que vivem em mim. Arriscaria classificar-me como quixotesca, a cada dia mato meus gigantes para, na manhã seguinte, aperceber-me de que eles não passavam de meros moinhos. Acredito firmemente que as melhores pessoas tem um quê de loucura, manter-se fixo na realidade é enfadonho. O ideal mesmo é tirar os pés do chão e, se possível, aprender a voar.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

João

Foi assim que lhe chamaram ao nascer,
Registro não tinha. Identidade, pra quê?
Filho da nação, homem do povo,
Cria da miséria, prole da fome,

Pela matina levantava, punha-se cedo a trabalhar,
Quando menos se esperava, lá vinha João
Sorriso na boca, enxada na mão,
Cantarolava baixinho e a São Pedro rogava,
Caridoso santinho, poupa-me dessa vida desgraçada,

Pela noite, João se recolhia,
No casebre apertado, dormitava, sem jamais descansar,
E no dia seguinte, levantava mais uma vez João,
Sorriso na boca, enxada na mão,

O sol fustigava sua face abatida,
João, meio tonto, sentou-se para repousar,
Acordou, atônito, com o cenário à sua frente,
São Pedro sorria, e lhe disse zombeteiro,
João, levanta-te daí, o céu hoje está em festa,
Ganhamos um novo membro e tu ganhaste um sobrenome,
Qual? - João pergunta, ansioso,
Ninguém - responde-lhe, prontamente, São Pedro, amistoso,

Esse foi um breve relato de mais um João Ninguém,
Pobre, carente, desafortunado,
Morreu, sem ter nenhum vintém,
Amanhã a história se repete com algum outro João,
Marginalizado pela sociedade, de enxada na mão,
Porque, afinal de contas, João tem muitos irmãos,
Todos escravos da fome, crias da miséria, homens do povo,
A pátria é João.


"As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam. Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força."
(Vidas Secas- Graciliano Ramos)

sábado, 6 de junho de 2015

Cotidiano

Hoje eu te vi acordando pela primeira vez ao meu lado. Teu sono estava estampado em tua face marcada pelo travesseiro. Sorriste, com os cabelos desgrenhados, após um longo bocejo. Pensei comigo como eu era sortudo em ter-te junto a mim. Levantaste e pude ver teu pijama infantil folgado, desgastado pelo tempo. Disse-te como estavas linda aquela manhã e, então, me olhaste com cara de escárnio chamando-me de mentiroso. Em vão tentei argumentar que te dizia a verdade, mas teu olhar me repreendia silencioso. Peguei-te no colo e te beijei preguiçosamente, de um jeito que te fez rir zombeteira. Deitaste em meu ombro, transparecendo genuína empolgação enquanto tagarelavas banalidades e eu observava, deliciado, teu semblante de pura felicidade, sem prestar atenção no conteúdo da conversa – pausaste no meio da frase, te apercebeste da minha aparente desatenção – me olhaste acusadoramente, veneno faiscando em tua íris, fizeste biquinho, aborrecida. Deitaste na cama, como uma criança birrenta. Abracei-te suavemente e te fiz cócegas por todo o corpo. Riste, com deleite. Já não estavas descontente. O despertador tocou, avisando que já era hora de ir trabalhar, e, a contragosto, nos levantamos para começar o dia.
"Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã"
(Cotidiano - Chico Buarque)

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Anjo sem asas

Vem aqui, do meu lado, dividir sorrisos repartidos entre muitos lençóis. Vem cá, que eu quero te pegar pela cintura e te mostrar que comigo pode ser diferente. Conheço-te há um tempo, mas para mim ainda não é o suficiente. Quero conhecer-te novamente todos os dias, até o fim dessa vida. Você pode duvidar de mim. Na verdade você tem todo o direito estar receosa, afinal teu coração já foi muito machucado, mas te prometo, garota, que comigo ele está seguro. Não te peço que acredites de imediato, podes duvidar o tempo que for necessário, eu espero, sou paciente. Vou te mostrar, devagarzinho, que sou eu quem pode preencher teus dias vazios. Posso estar contigo do outro lado do edredom. Não precisas estar sozinha, pequena, estarei aqui pra você, sempre. Não entendo nada sobre teus livros, teu mundo de fantasia, ou a utopia que criaste em tua cabeça, mas te prometo que por você eu tento. Tento entender essa tua cabecinha tão cheia de ideias e tão distinta da minha. Eu sei que somos muito diferentes, mas isso não precisa ser um problema, pode ser uma nova oportunidade. Nossos universos podem ser completamente diversos, mas nós podemos criar um novo, só nosso. Sei que estás assustada, querida, mas deita aqui no meu ombro que tudo vai passar. Todas as coisas passam amor, os segundos, os minutos, as horas, tudo se cura com o tempo. E hoje é tempo de recomeço pra você e pra mim.


"Eu vim pra ser seu anjo
Pra lhe proteger
Do céu de onde eu desci
Eu vim cuidar de você"
(Um anjo muito especial - Roupa Nova)