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Recife, Pernambuco
Poderia dizer que vivo de sonhos, mas creio que são eles que vivem em mim. Arriscaria classificar-me como quixotesca, a cada dia mato meus gigantes para, na manhã seguinte, aperceber-me de que eles não passavam de meros moinhos. Acredito firmemente que as melhores pessoas tem um quê de loucura, manter-se fixo na realidade é enfadonho. O ideal mesmo é tirar os pés do chão e, se possível, aprender a voar.

sábado, 12 de maio de 2018

Metalinguagem

Era madrugada. Naquela noite, em especial, um vento gélido soprava obstinadamente nas paredes de um antigo palacete. As janelas rangiam, estremecendo a cada poderosa rajada de ar. Na cidade, toda a luminosidade esvaíra-se, uma escuridão profunda havia se apoderado do povoado. A única exceção era uma claridade mortiça, vinda do interior do grande casarão, onde um homem lia um livro. A trama era envolvente. A narrativa se passava em um pequeno vilarejo, no qual vivia um casal. O marido era endinheirado, as terras em que viviam eram, em sua maioria, propriedades dele. A mulher, por outro lado, havia nascido desprovida de riquezas e se aproveitara da condição do varão, ludibriando-o, a ponto de fazê-lo acreditar que o amava até, por fim, conseguir seu objetivo: casar-se com o companheiro.
Após a celebração do matrimônio, a moça começou a vivenciar uma vida dupla. Quando o esposo encontrava-se em casa era a mais afetuosa das criaturas, enchia-o de carinhos e regalias. Assim que o infeliz viajava a negócios, porém, a história era bastante distinta, pois a jovem o traia com um namorado que mantivera mesmo após o casamento, a quem verdadeiramente amava. Não bastasse tamanha infidelidade, os amantes costumavam planejar seu futuro, idealizando o dia em que não haveria mais um cônjuge a quem a garota tivesse que prestar contas, imaginando que ambos seriam prósperos e felizes com o dinheiro do marido defunto, pois cedo ou tarde ele deveria perecer – Nesse ponto, o homem fez uma pausa na narrativa, para bebericar seu vinho branco, que deixara ao seu lado, na mesinha de cabeceira. Após apreciar o suave sabor adocicado da bebida, ele retomou sua leitura.
Algumas páginas do livro se passaram, e com elas transcorreram alguns meses na história, a donzela já não suportava mais a vida de mentiras que levava com o marido. Decidiu, então, buscar seu amante e transformar seus devaneios para enriquecer em realidade. Planejaram detalhadamente o que fariam e, após esquematizarem e repassarem mentalmente toda a ação que iriam executar se encaminharam para o seu propósito.
Os amantes caminharam em silêncio, lado a lado.  O ar estava gélido e todas as luzes da cidade já estavam apagadas. Chegaram ao seu destino. Pé-ante-pé, entraram pelos fundos. Andaram mais um pouco. Silêncio. A casa está completamente escura, a menos por uma claridade frouxa, vinda da biblioteca.
A leitura do homem é interrompida abruptamente, ele escuta um ruído. Quem poderia ser a esta hora da noite? Temeroso, ele se levanta bruscamente da poltrona onde estava sentado. Dois vultos se movem rapidamente em sua direção. O moço tenta, em vão, gritar por socorro. Já é tarde, os amantes se aproximam e o apunhalam, com golpes certeiros em seu coração. Satisfeitos, os namorados deixam o recinto. Dentro da biblioteca, sangue escorre abundantemente pelas páginas de um livro, ao lado de um cadáver.


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