Era madrugada. Naquela noite, em
especial, um vento gélido soprava obstinadamente nas paredes de um antigo palacete. As janelas rangiam, estremecendo a
cada poderosa rajada de ar. Na cidade, toda a luminosidade esvaíra-se, uma
escuridão profunda havia se apoderado do povoado. A única exceção era uma
claridade mortiça, vinda do interior do grande casarão, onde um homem lia um
livro. A trama era envolvente. A narrativa se passava em um pequeno vilarejo,
no qual vivia um casal. O marido era endinheirado, as terras em que viviam
eram, em sua maioria, propriedades dele. A mulher, por outro lado, havia nascido
desprovida de riquezas e se aproveitara da condição do varão, ludibriando-o, a
ponto de fazê-lo acreditar que o amava até, por fim, conseguir seu objetivo:
casar-se com o companheiro.
Após a celebração do matrimônio, a moça começou
a vivenciar uma vida dupla. Quando o esposo encontrava-se em casa era a mais
afetuosa das criaturas, enchia-o de carinhos e regalias. Assim que o infeliz
viajava a negócios, porém, a história era bastante distinta, pois a jovem o
traia com um namorado que mantivera mesmo após o casamento, a quem
verdadeiramente amava. Não bastasse tamanha infidelidade, os amantes costumavam
planejar seu futuro, idealizando o dia em que não haveria mais um cônjuge a
quem a garota tivesse que prestar contas, imaginando que ambos seriam prósperos
e felizes com o dinheiro do marido defunto, pois cedo ou tarde ele deveria
perecer – Nesse ponto, o homem fez uma pausa na narrativa, para bebericar seu vinho
branco, que deixara ao seu lado, na mesinha de cabeceira. Após apreciar o suave
sabor adocicado da bebida, ele retomou sua leitura.
Algumas páginas do livro se passaram, e com
elas transcorreram alguns meses na história, a donzela já não suportava mais a
vida de mentiras que levava com o marido. Decidiu, então, buscar seu amante e
transformar seus devaneios para enriquecer em realidade. Planejaram
detalhadamente o que fariam e, após esquematizarem e repassarem mentalmente
toda a ação que iriam executar se encaminharam para o seu propósito.
Os amantes caminharam em silêncio, lado a lado. O ar estava gélido e todas as luzes da cidade
já estavam apagadas. Chegaram ao seu destino. Pé-ante-pé, entraram pelos
fundos. Andaram mais um pouco. Silêncio. A casa está completamente escura, a
menos por uma claridade frouxa, vinda da biblioteca.
A leitura do homem é interrompida abruptamente,
ele escuta um ruído. Quem poderia ser a esta hora da noite? Temeroso, ele se
levanta bruscamente da poltrona onde estava sentado. Dois vultos se movem
rapidamente em sua direção. O moço tenta, em vão, gritar por socorro. Já é
tarde, os amantes se aproximam e o apunhalam, com golpes certeiros em seu coração.
Satisfeitos, os namorados deixam o recinto. Dentro da biblioteca, sangue
escorre abundantemente pelas páginas de um livro, ao lado de um cadáver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário