Quem sou eu?

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Recife, Pernambuco
Poderia dizer que vivo de sonhos, mas creio que são eles que vivem em mim. Arriscaria classificar-me como quixotesca, a cada dia mato meus gigantes para, na manhã seguinte, aperceber-me de que eles não passavam de meros moinhos. Acredito firmemente que as melhores pessoas tem um quê de loucura, manter-se fixo na realidade é enfadonho. O ideal mesmo é tirar os pés do chão e, se possível, aprender a voar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Menina

Quando criança, costumava correr pelas ruas, apressada, cabelos desgrenhados, oscilando ao sabor do vento, vestido sempre sujo, levando consigo as marcas do asfalto em que se sentava para participar de brincadeiras infantis. Adorava passar horas balançando-se no parque. Como era agradável a infância! As tardes passavam rapidamente, e, com elas, também transcorriam as primaveras. Foi em um desses dias de abril, enquanto as flores desabrochavam, que floresceu a menina. Seu corpo começou a mostrar sinais de mudanças, os seios, antes diminutos e pueris, agora já despontavam sob sua camisa, tímidos. As longas mechas, outrora bagunçadas, encontravam-se penteadas com esmero. Aposentou as bonecas, que em sua meninice haviam sido suas fieis companheiras. Olhou-se no espelho, a boca, que no passado não continha nenhum traço de maquiagem, exibia um bonito tom carmesim. Satisfeita com o que viu, saiu pela porta, sorridente, pelas mesmas ruelas que rotineiramente percorrera em sua meninez.


"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!"
(Trecho de "Meus oito anos" - Casimiro de Abreu) 

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Crônica do amor redescoberto

Acredito que te amo. Nunca havia visto olhos que sorriem, mas os teus o fazem graciosamente. Duas estrelas reluzentes, em uma explosão de alegria inebriante. Adoro quando me abraças, assim, de pertinho, com o rosto colado no meu. Gosto, gosto mesmo, de gostar de ti. O garoto apaixonado por tons de azul, mas que enxerga a vida em pinceladas coloridas. O jovem com alma de adulto, o adulto que sonha como jovem. Deleito-me, infinitamente, observando-te. O modo como mordes a boca, travesso, de certa forma me parece um tanto pitoresco. Tua mania de enrolar o cabelo nervosamente é cativante. Tuas mãos, eterno paradoxo, tão fortes e tão delicadas ao mesmo tempo. Creio, creio mesmo que te amo. E talvez esteja correndo sério risco de te amar...




....enquanto eu respirar. 


quinta-feira, 25 de junho de 2015

João

Foi assim que lhe chamaram ao nascer,
Registro não tinha. Identidade, pra quê?
Filho da nação, homem do povo,
Cria da miséria, prole da fome,

Pela matina levantava, punha-se cedo a trabalhar,
Quando menos se esperava, lá vinha João
Sorriso na boca, enxada na mão,
Cantarolava baixinho e a São Pedro rogava,
Caridoso santinho, poupa-me dessa vida desgraçada,

Pela noite, João se recolhia,
No casebre apertado, dormitava, sem jamais descansar,
E no dia seguinte, levantava mais uma vez João,
Sorriso na boca, enxada na mão,

O sol fustigava sua face abatida,
João, meio tonto, sentou-se para repousar,
Acordou, atônito, com o cenário à sua frente,
São Pedro sorria, e lhe disse zombeteiro,
João, levanta-te daí, o céu hoje está em festa,
Ganhamos um novo membro e tu ganhaste um sobrenome,
Qual? - João pergunta, ansioso,
Ninguém - responde-lhe, prontamente, São Pedro, amistoso,

Esse foi um breve relato de mais um João Ninguém,
Pobre, carente, desafortunado,
Morreu, sem ter nenhum vintém,
Amanhã a história se repete com algum outro João,
Marginalizado pela sociedade, de enxada na mão,
Porque, afinal de contas, João tem muitos irmãos,
Todos escravos da fome, crias da miséria, homens do povo,
A pátria é João.


"As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam. Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força."
(Vidas Secas- Graciliano Ramos)

sábado, 6 de junho de 2015

Cotidiano

Hoje eu te vi acordando pela primeira vez ao meu lado. Teu sono estava estampado em tua face marcada pelo travesseiro. Sorriste, com os cabelos desgrenhados, após um longo bocejo. Pensei comigo como eu era sortudo em ter-te junto a mim. Levantaste e pude ver teu pijama infantil folgado, desgastado pelo tempo. Disse-te como estavas linda aquela manhã e, então, me olhaste com cara de escárnio chamando-me de mentiroso. Em vão tentei argumentar que te dizia a verdade, mas teu olhar me repreendia silencioso. Peguei-te no colo e te beijei preguiçosamente, de um jeito que te fez rir zombeteira. Deitaste em meu ombro, transparecendo genuína empolgação enquanto tagarelavas banalidades e eu observava, deliciado, teu semblante de pura felicidade, sem prestar atenção no conteúdo da conversa – pausaste no meio da frase, te apercebeste da minha aparente desatenção – me olhaste acusadoramente, veneno faiscando em tua íris, fizeste biquinho, aborrecida. Deitaste na cama, como uma criança birrenta. Abracei-te suavemente e te fiz cócegas por todo o corpo. Riste, com deleite. Já não estavas descontente. O despertador tocou, avisando que já era hora de ir trabalhar, e, a contragosto, nos levantamos para começar o dia.
"Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã"
(Cotidiano - Chico Buarque)

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Anjo sem asas

Vem aqui, do meu lado, dividir sorrisos repartidos entre muitos lençóis. Vem cá, que eu quero te pegar pela cintura e te mostrar que comigo pode ser diferente. Conheço-te há um tempo, mas para mim ainda não é o suficiente. Quero conhecer-te novamente todos os dias, até o fim dessa vida. Você pode duvidar de mim. Na verdade você tem todo o direito estar receosa, afinal teu coração já foi muito machucado, mas te prometo, garota, que comigo ele está seguro. Não te peço que acredites de imediato, podes duvidar o tempo que for necessário, eu espero, sou paciente. Vou te mostrar, devagarzinho, que sou eu quem pode preencher teus dias vazios. Posso estar contigo do outro lado do edredom. Não precisas estar sozinha, pequena, estarei aqui pra você, sempre. Não entendo nada sobre teus livros, teu mundo de fantasia, ou a utopia que criaste em tua cabeça, mas te prometo que por você eu tento. Tento entender essa tua cabecinha tão cheia de ideias e tão distinta da minha. Eu sei que somos muito diferentes, mas isso não precisa ser um problema, pode ser uma nova oportunidade. Nossos universos podem ser completamente diversos, mas nós podemos criar um novo, só nosso. Sei que estás assustada, querida, mas deita aqui no meu ombro que tudo vai passar. Todas as coisas passam amor, os segundos, os minutos, as horas, tudo se cura com o tempo. E hoje é tempo de recomeço pra você e pra mim.


"Eu vim pra ser seu anjo
Pra lhe proteger
Do céu de onde eu desci
Eu vim cuidar de você"
(Um anjo muito especial - Roupa Nova)

sábado, 25 de abril de 2015

Pseudo-vida

Ele olhou-a, com aqueles grandes olhos risonhos, cor de avelã. Ela se perdeu em seu olhar, absorta com tamanha doçura. Tocou-lhe a face cansada, observou suas rugas de preocupação aparentes, caminhou por seu rosto, sentindo, com os dedos, os vincos que os anos haviam esculpido em sua fronte. Apesar de tudo, ele ainda era o homem mais bonito que ela havia visto. Não por sua aparência, mas havia algo em sua maneira, em seu jeito, que o tornava diferente de todos os outros que já havia conhecido. E ela ansiava, cada vez mais, torná-lo feliz. Talvez por isso inquietava-se tanto. Queria fazê-lo sentir-se completo a todo custo, não importando o que tivesse que fazer para alcançar isso. Afinal – pensava ela – os fins justificam os meios. E, com essa visão maquiavélica, de certa forma grotesca, vivia sem viver, um dia de cada vez. Até que por fim, ele cansou-se dessa realidade burlesca que ambos dividiam. E, com uma única lágrima partiu. Ela, então, abaixou-se outra vez, para juntar, aos poucos, os caquinhos de seu coração esfacelado.

 

"Em algum lugar, em toda aquela neve, ela via seu coração partido em dois pedaços".
(A menina que roubava livros - Mark Zusak)

sábado, 21 de março de 2015

Sobre amores repentinos.

Chegaste devagar, a passos silenciosos. Nem percebi o momento que começaste a passear pelos meus pensamentos. Quando menos esperava estavas ali, à espreita, e por mais que tentasse tirar-te de lá, não conseguia. Passaram-se as estações, ameaçavas perigosamente viajar da minha cabeça ao coração, e isso eu não desejava, pois cada pessoa que passou por ele deixou-o em frangalhos. Meu peito respondia a cada tentativa tua de adentrar em meu interior: vá embora, vá embora, vá embora. Não atendeste à minha súplica. Foste ficando, ficando, e ficou.


"Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, amo-te simplesmente sem problemas nem orgulho: amo-te assim porque não sei amar de outra maneira."
(Pablo Neruda)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Carta a um desconhecido

Vem abrir as portas do meu coração há muito lacradas com força. Arranca essas correntes que me prendem ao solo, ensina-me a voar novamente. Sussurra baixinho, ao meu ouvido, que meus medos são apenas bobagens de uma alma transtornada. Abraça-me, tu bem sabes como isso me faz bem. Beija-me com a doçura de um jovem apaixonado, enlouquecido pelos desejos ardentes que te controlam por completo. Olha-me nos olhos com ternura. Ria, meu amor, sim, sorria, pois não existe nada no mundo mais lindo que o seu sorriso. Dancemos à luz da lua, sem música, somente ao som dos nossos corações, que batem no mesmo compasso. Eu e tu, tu e eu, nós. Viajemos, sem data, sem destino, sem hora pra voltar. Façamos um piquenique, alimentemo-nos da nossa companhia. Tu me dirás que sou boba por amar-te tanto assim, que não mereces tanta admiração, te responderei com simplicidade que és a melhor pessoa do mundo. Passemos os dias assim, nesse vaivém cotidiano, sem nunca, porém, entrar em uma rotina. Transformemo-nos em novas pessoas, amando, cada vez mais, quem estamos nos tornando. Que a nossa paixão seja contínua e o nosso amor ininterrupto. E, quando já velhinhos a morte nos vier buscar, não temas meu amor, não chores, caminhemos ao seu encontro de mãos dadas, como sempre o fizemos.